quarta-feira, 11 de junho de 2014

Trajetória de Paul McCartney nos anos 1970 é revista em nova biografia


a van verde, espremiam-se músicos, roadies, crianças e até cachorros. Atrás, vinha um caminhão com os equipamentos da banda. Sem rota definida, saíram de Londres e seguiram todos rumo ao norte, até pararem em Nottingham. Chegando no campus da universidade, no final da tarde, um dos roadies foi até a secretaria e perguntou se haveria, por acaso, um local para uma apresentação da nova banda de Paul McCartney. Após a surpresa e o ceticismo inicial, o show foi marcado, às pressas, para o dia seguinte, na hora do almoço, no refeitório. Oitocentas pessoas, a maior parte alunos, testemunharam a estreia dos Wings, tocando um repertório de músicas dos discos “Wild life” e “Ram”, além de algumas covers. No final, os músicos dividiram o cachê, pago em moedas de uma libra. Sem viver uma situação parecida em muitos anos, Paul ficou emocionado com o que chamou de “dignidade do trabalho”. E voltou para a van (mais tarde substituída por um ônibus de dois andares, pintado de forma psicodélica). Afinal, em1972, o ex-Beatle tinha uma nova, longa e sinuosa estrada pela frente.



DEPRESSÃO E INSEGURANÇA
A cena simboliza muito do que é descrito no livro “Man on the run”, do jornalista escocês Tom Doyle, recém-lançado no Brasil pela editora Leya. Com o subtítulo “Paul McCartney nos anos 1970”, ele mostra um lado pouco conhecido do astro maior do universo pop, envolvendo um período subestimado em suas biografias anteriores. Deprimido com o fim dos Beatles, angustiado com as alfinetadas do ex-parceiro, John Lennon, e inseguro em relação ao seu próprio futuro antes mesmo de chegar aos 30, Paul bebeu e fumou (maconha) em excesso, abraçou um estilo de vida quase hippie, ao lado da primeira esposa, Linda, refugiando-se numa fazenda na Escócia, criou uma nova banda, fez excursões improvisadas, gravou alguns discos brilhantes (e outros nem tanto) e tentou, de todas as formas, se reinventar, mesmo com todas as câmeras apontadas para ele. Foi, como diz o título, um homem em fuga.
— Considero os anos 1970 um período fascinante na trajetória de Paul — diz Doyle, ex-repórter do jornal “The Guardian” e colaborador de revistas como “Mojo” e “Q ”. — Foi o momento em que um dos mais famosos e reverenciados artistas da História teve que, repentinamente, recomeçar a sua carreira. É uma situação impensável quando o vemos hoje em dia, mas como Paul me disse certa vez: “Imagine que você é um astronauta. Depois que você vai à Lua, o que você vai fazer no resto da sua vida?”. Nos anos 1970, após o fim dos Beatles, ele se sentia voltando da Lua.
“Man on the run” nasceu a partir de uma série de entrevistas que Doyle fez com o astro para a “Mojo” e a “Q”, a partir de 2006, em torno do relançamento de sua discografia daquele período. Tendo pela frente um entrevistado naturalmente intimidador e tradicionalmente evasivo, Doyle teve que se esforçar muito para ganhar a confiança de Paul até revelar sua intenção de escrever a biografia, consentida, mas não oficial ou autorizada.
— Ele é um entrevistado muito esperto e bem treinado, que sabe se desviar facilmente dos temas polêmicos. Mas acho que, por eu ser escocês, ele foi se abrindo gradativamente até chegarmos ao ponto de termos conversas bem francas e agradáveis — lembra o autor. — Não gosto muito de biografias autorizadas, já que o protagonista tende, muitas vezes, a limpar seu passado e reescrever sua história. Mas Paul foi bastante gentil e nunca colocou empecilhos à feitura desse livro, chegando, inclusive, a ceder uma foto inédita dele, tirada por Linda, para a capa. Considerei isso uma prova de confiança.


PRISÃO NO JAPÃO E MORTE DE LENNON
No livro, Linda é lembrada como a pessoa que ajudou Paul a sair da depressão inicial e também como a tecladista inúmeras vezes criticada pela imprensa e pelos companheiros de banda.

— Linda foi a companheira que ajudou Paul a se reerguer. Foi quem esteve ao seu lado nos momentos difíceis. É emocionante ver como ele lembra os momentos dos dois juntos — diz Doyle. — Sobre as críticas, Paul achava que Linda foi como Ringo nos Beatles. Começou mal, mas evoluiu bastante.

Momento central daquele período foram as complicadas gravações de “Band on the run” — para muitos, o melhor disco de Paul — na Nigéria, em 1973, entre encontros com bandidos (que colocaram uma faca no pescoço do astro durante um assalto) e tensas negociações com artistas locais, como o mitológico Fela Kuti, nas quais o inglês teve de explicar que não roubaria a música deles:

— Paul teve ataques de pânico após o assalto, viu dois integrantes abandonarem a banda antes da viagem e ainda precisou esclarecer suas intenções frente a frente com Fela. Ironicamente, em meio àquele caos, gravou seu disco mais reverenciado.

Em contraste com aquele primeiro show em Nottingham, está a volta por cima com a apresentação dos Wings no Madison Square Garden lotado, em 1976, num breve revival da beatlemania, que incluiu até mesmo tietes como Jacqueline Onassis nos camarins (“Então, de repente, toda a fama voltou”, lembra Paul). A década da turbulência é encerrada com dois episódios marcantes para o astro, ambos em 1980: a prisão no Japão, no começo do ano, pela posse de 250 gramas de maconha (“Um gesto de autossabotagem”, afirma o autor) e o assassinato de Lennon, em dezembro, em Nova York. Foi quando Paul decidiu, enfim, parar de fugir de si mesmo e passou a viver uma vida (quase) normal. “A única anormalidade é ser Paul McCartney”, disse a Doyle.

Fonte: O Globo

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