quinta-feira, 17 de julho de 2014

Paul McCartney fala sobre virose, novas músicas, aposentadoria e retorno aos palcos em nova entrevista à Rolling Stone


Em maio, quando Paul McCartney teve que remarcar 12 shows da turnê 'Out There' - seguindo conselhos de médicos para descansar depois de ser hospitalizado em Tóquio devido a um vírus - muitos fãs ficaram preocupados. McCartney não ficou. "As pessoas dizem para mim, 'Own, deve ter sido horrível para você.' Bem, na verdade, não," o eterno Beatle contou à Rolling Stone. "Ninguém nunca me diz para descansar! Foi como férias de verão da escola, ou algo do tipo. Eu pensei, 'é, posso conviver com isso'". 

Paul disse que o tempo fora dos palcos o permitiu recuperar o atraso de todos os tipos de atividades que sua ocupada rotina de shows o impede de fazer. "Eu realmente levei tudo numa boa em casa, na Inglaterra", ele diz. "Meu genro tinha um roteiro de filme - um bom tempo pra ler aquilo. Eu dei uma acelerada na leitura. O clima estava ótimo, então estava legal. E aí eu fui ao meu estúdio de gravação e fiz alguma música sem obrigação alguma, algumas coisas experimentais. Isso foi um despertar musical muito bom, e me fez sentir melhor."

No dia seguinte de seu retorno triunfante aos palcos, em Albany, Nova York, McCartney chamou a Rolling Stone para uma vasta conversa de uma hora de duração. Ele falou sobre como ocupou seu tempo longe da estrada - incluindo aqueles experimentos no estúdio e uma viagem a Ibiza com a esposa, Nancy Shevell - e compartilhou algumas memórias sobre ir a shows quando menino durante a década de 50, em Liverpool, o que as pessoas se equivocam sobre John Lennon, e muito mais.  


Conte-nos mais sobre a música que você estava trabalhando. 
Eu tenho um estúdio a 20 minutos de onde moro, e às vezes eu vou até lá e trabalho no meu computador. Apesar de eu não ser um cara muito tecnológico, eu tenho um programa de música que eu já trabalho há anos, chamado Cubase. É incrivelmente viciante - eu apenas sento lá por seis horas, até que alguém tem que me cutucar e dizer para eu ir pra casa. Normalmente, eu trabalho no meu lado orquestral nele, mas alguém disse pra mim, 'Sabe de uma coisa? Tecnicamente, esse não é um programa orquestral. É mais para pop.' Então, quando eu tive um tempo sem fazer nada, eu fui até lá e disse, 'Ótimo. Começarei com uma faixa dançante, ou algo do tipo." 

Eu também tenho um sequenciador, que eu tenho reutilizado há alguns anos. Eu fiz um álbum chamado 'McCartney II', no qual eu fiz experimentos com sequenciadores e sintetizadores logo que foram criados. Eu queria voltar àquilo, mas eu não tinha muito tempo antes. Então, me conectei com o Cubase. Foi muito legal. Eu pegava o BPM no sequenciador, combinaria ambos no computador, acrescentaria algumas batidas também pelo computador, juntava tudo com algumas ferramentas do programa e estragava tudo - porque isso não era pra nada. 

Em uma semana, eu fiz algumas faixas e isso despertou meu gosto musical. Fiquei muito feliz com elas. Elas eram apenas pequenas coisas experimentais meio 'funkys', apenas instrumentais. A primeira que eu fiz era meio africana, então dei o título de 'Mombasa'. A outra era mais rápida, e a chamei de 'Botswana'. Foi uma semana boa. Foi engraçado, eu estava conversando com Joe Walsh sobre isso. Ele disse, 'é, cara, esse é o melhor - quando não é pra nada e não tem importância nenhuma, e é tudo experimental, você se diverte mais. Esse tipo de coisa é muito bom para sua alma.' E eu concordo. Foi muito libertador. 


Você ouve muita 'dance music' nos dias de hoje? 
Sabe, eu ouço no rádio. Eu tenho um amigo que, durante anos, fez uma compilação para mim de faixas dançantes e novos lançamentos. Eu coloco-a pra tocar quando estou cozinhando ou no carro, e apenas vejo o que me interessa, vejo quem está fazendo o que. Tem faixas como 'Happy', de Pharrell, que eu ouço bem antes de virarem hits, e digo, 'Ah, essa é bem cativante. Vai ser um hit.' Eu ouço muito 'dance music' dessa maneira. 

Curiosamente, uma parte desse descanso foi, eu disse para Nancy, 'Ei, nós podemos sair de férias! Férias de verdade, um lugar diferente.' Então nós fomos para Ibiza. Obviamente tem muita música desse tipo lá. Nós não fomos à festas, mas tem muito disso lá. Está pelo ar daquele lugar. A casa que nós alugamos não tinha um bom sistema de som, então eu disse, 'com licença, estamos em Ibiza. Nós temos que ter a possibilidade de conseguir um bom sistema de som.' Então eu encontrei os caras certos e eles apareceram e me trouxeram um ótimo sistema de som. Nós dizíamos, 'nós poderíamos alugar essa casa uma noite para 600 pessoas e fazer uma Rave', disse McCartney rindo. "Nós não fizemos isso, mas eu estava tocando aquela música que fiz no estúdio e soou muito bem".


Você tem planos de retornar ao estúdio e gravar mais músicas? 
Sim, eu tenho muitas canções que escrevi, e algumas que eu preciso terminar. Não tem data marcada, mas no fundo de minha mente, eu vou querer deixar alguns meses livres para escrever essas músicas que tenho na cabeça e descobrir o que quero fazer com elas e como eu vou querer gravá-las. Mas eu não reservei nenhum horário no estúdio. Está tudo lá para a diversão no futuro. 

Agora você está de volta na estrada, numa turnê que vem acontecendo há mais de um ano. O que mantém você nessa vida? 
Bem, eu sempre me lembro de quando eu era criança e costumava a ir em shows. Isso era pré-pré-pré-Beatles. Eu era apenas uma criança pequena em Liverpool sem dinheiro, e eu economizava para sempre. Era muito bom se um show me deixava satisfeito - e realmente me irritava quando não me deixava. Então, eu tenho essa coisa, que eu sei que essas pessoas gastaram seu dinheiro. Às vezes esse dinheiro pode fazer falta, então vamos dar a eles uma ótima noite. Vamos ter uma festa. Vamos fazer com que seja um grande evento e que as pessoas vão para casa e pensem, 'é, eu não me importo de ter gasto esse dinheiro'. Essa é a filosofia por trás de muitas coisas que faço. 

Um dos primeiros shows que eu fui na vida, foi o de Bill Haley. Eu era tão jovem que ainda usava calças curtas. Eu tinha 13 anos, mais ou menos. Era o Rock & Roll indo a Liverpool e eu estava muito feliz. Eu economizei, consegui o ingresso, fui até o Liverpool Odeon - e na primeira metade inteira não era Bill Haley! Era esse cara que, anos depois, eu fiquei sabendo que era um promotor que tinha sua própria banda. No segundo ato, quando Bill saiu de traz das cortinas com "One, two, three o' clock, four o'clock rock", de 'Rock Around the Clock', que era praticamente o nascimento do Rock - ok, aquilo foi demais. As cortinas abriram e eles estavam todos com suas loucas jaquetas de couro. Aquilo valeu a pena. Mas eu sempre ficava irritado com a abertura, pensando que eu havia sido enganado. E uma vez eu comprei um álbum do Little Richard que tinha apenas uma música dele. Era essa outra coisa, a Buck Ram Orchestra.        

Então nós éramos muito conscientes sobre isso (nos Beatles). Eu lembro de falar com Phil Spector no começo de nossas carreiras. Phil costumava nos dizer, 'vocês põem muito valor nisso. Vocês fazem o lado A e colocam uma música boa no lado B!' Tinha uma canção chamada 'Sally Go Round The Roses', bem no começo dos Beatles, e no outro lado, eles colocaram 'Sing Along with Sally Go Round The Roses' - apenas com os instrumentos de fundo. E nós dizíamos, 'Ah, Phil, você não pode fazer isso. Eles gastam um bom dinheiro com isso. Nós nos sentiríamos enganados'. E ele dizia, 'não, vocês podem fazer isso. Isso é legal'. Isso na verdade virou uma grande regra dos Beatles. Nós sempre tínhamos que colocar uma música boa no lado B - então você tem 'Strawberry Fields Forever' com 'Penny Lane', e as pessoas, hoje, falam sobre isso. Esse era o fator do sucesso dos Beatles, eu acho. Era sempre um lado B matador, que as pessoas achavam que era sempre tão bom quanto o lado A, ou até melhor. Isso era disso de dar valor ao dinheiro, o que George Martin chama de 'VFM' (Value For Money). 


Em um dos recentes shows, você modificou um pouco o setlist que todos estão acostumados tocando 'On My Way To Work', do seu álbum mais recente, sem nem avisar sua banda. Você gostaria de fazer mais isso, mudar o setlist e tocar o que você quiser?  
Sim, nós ocasionalmente fazemos isso, apenas pela diversão. Mas não é como seu eu fosse um Phish (banda conhecida por sua improvisação nos palcos). Certamente, muita gente gostaria que eu fizesse isso, mas eu tenho que ser consciente sobre as pessoas que não gostariam. Naquele show, eu disse, 'Eu sei o que vocês acham sobre novas músicas.' Porque quando nós tocamos os números antigos - como 'And I Love her' - eu vejo todos os telefones aparecerem. Você vê todos aqueles flashes, como na Disney. E por que você começou a fotografar agora? 'Porque essa é minha canção favorita' Essa é a realidade. E como no show do Bill Haley, eu não quero enganar àquelas pessoas. Então nós misturamos bastante, mas nós nos preocupamos principalmente em agradar a todos da audiência. 

As pessoas perguntam, 'Mas você se importa?' Alguns, como Bob Dylan, não se importam - ele apenas faz o que quer, e isso é legal. Eu digo, 'É, mas eu tenho essas memórias que me assombram, desses shows que eu fui e desses álbuns que comprei'. Eu não quero o meu público dizendo, 'Ei, nós viemos para ouvir aos grandes hits, e você tocou um monte de porcaria'. 

Seu amigo Eric Clapton disse recentemente que ele está pensando em se aposentar das turnês. Essa ideia traz algum sentimento a você?
Obviamente, quando você chega a uma certa idade, está tudo nas cartas. Eu tive um empresário que um dia me disse para aposentar aos 50 anos. Ele disse, 'sabe, eu não acho conveniente um cara de 50 anos continuar tentando.' Eu pensei sobre isso por um segundo e disse, 'não...' Quando você vai desistir? Quando você vai se aposentar? Quem sabe? Mas a margem foi estendida na atualidade. Os Stones saem agora, e eu vou ao show deles e penso, 'Não importa que eles sejam velhos. Eles podem tocar demais.' E eu falo com pessoas mais jovens que pensam o mesmo que eu, 'eles tocam bem.' 

Acho que esse é o fator que decide. Seria uma pena se Eric se aposentasse, porque, caramba, ele realmente toca bem! Mas ele é aquele tipo de cara, Eric. Eu posso ver ele dizendo, 'Vou me aposentar.' Ele é um cara caseiro em essência. Nós já conversamos sobre isso antes. Eu lembro dele brincando sobre como eu fico de pé durante todo o show. Ele disse, 'eu me sento.' Isso é uma coisa de músicos do Blues. Mas ele é bom demais. Eu diria pra ele, 'é, por precaução, sente-se Eric, mas não se aposente.' 

Um monte de gente acaba se cansando da vida na estrada, particularmente quando você tem uma vida realmente boa em casa. Mas eu quero isso tudo. Eu tenho uma ótima vida em casa, e eu tenho uma ótima vida na estrada - não é mais como se estivéssemos num ônibus da Greyhound - e as plateias são tão receptivas, o retorno que recebemos é muito bom. As pessoas dizem pra mim, 'Você nunca se cansa?' é um show de três horas, e eu fico no palco em todo o segundo. Eu fico pensando nas leis da lógica e eu deveria estar muito cansado - mas eu estou revigorado! Tem algo nisso que me dá energia. E tem sempre um dia livre depois dos shows, que é mais do que nós costumávamos ter. 

Se você olhar para os setlists dos Beatles, era de 30 minutos - 35 minutos se estávamos nos sentindo bem, 25 se estávamos irritados [risadas]. É isso, cara. Eu costumava fazer metade do vocal, John a outra metade, então era 15 minutos para cada um. George e Ringo também cantariam um pouco, então era menos de 15 minutos para cada. E nós éramos bem mais novos, então, fisicamente, isso estava longe de ser um problema. Mas as coisas mudaram e eu estou feliz com isso. Eu gosto de estar com a banda. Eu amo tocar. Eu toco muito mais guitarra nos shows do que eu costumava. Eu ainda estou aprendendo, e isso é bom. Eu estava dizendo a alguém outro dia sobre um dos primeiros shows que nós fizemos - eu acho que nem éramos Beatles ainda, éramos Quarrymen - numa das primeiras vezes que eu toquei com John, nós tocamos cedo num lugar chamado Co-Op Hall, e eu tinha um solo em uma das músicas e eu totalmente congelei quando chegou meu momento. Eu realmente toquei o pior solo de todos. Eu disse, 'é isso. Nunca vou tocar a guitarra principal de novo.' Era muita pressão no palco. Então, durante anos, eu apenas toquei a guitarra rítmica e um pouco de piano. Mas, hoje em dia, eu toco a guitarra solo e é isso que me move adiante. Eu gosto disso. Então, sim, isso significa que a resposta para "Você vai se aposentar?" é "Quando eu me sentir querendo isso". Mas isso não é hoje. 


Você acabou de lançar um clipe para a música 'Early Days', na qual o refrão é "They can't take it from me if they tried/I lived through those early days" (Eles não podem tirar isso de mim, se tentarem/Eu vivi durante aqueles dias). Sobre o que você está cantando? 
Revisionismo. É sobre o revisionismo, realmente. Eu sei que minha memória tem chips que ainda podem me levar de volta a dois caras sentados numa sala tentando escrever 'I Saw Her Standing There' ou 'One After 909'. Eu ainda posso ver aquilo claramente, e eu ainda posso ver cada minuto de John e eu escrevendo juntos, tocando juntos, gravando juntos. Eu ainda tenho uma memória muito vívida sobre tudo aquilo. Não é como em contos de fadas. Devido à morte trágica de John, existe muito revisionismo, e é muito difícil ir contra isso, porque você não pode dizer, "Espere um pouco, cara. Eu fiz isso." Porque as pessoas dizem, 'É, isso é pisar no túmulo de um homem morto.' Você fica meio pensativo quanto a isso e apenas pensa, 'Quer saber? Esqueça. Eu sei o que eu fiz. Um monte de gente sabe o que eu fiz. John sabe o que eu fiz. Talvez eu devesse apenas deixar isso, não me preocupar sobre o assunto.' Levou um tempo para eu chegar nisso. 

Eu sei que eu ainda tenho todas as memórias intactas, e eles não, como eu digo no último verso, porque eles não estavam lá. Eu acho que isso existe em todas as bandas, mas no caso dos Beatles, tende a ser sempre pior. Por exemplo, eu estava de férias e tinha uma garotinha, uma pequena americana. Ela diz, 'Olá, eu acabei de ter uma aula de apreciação dos Beatles na escola.' Eu disse, 'Nossa, isto é ótimo!' Eu penso, 'Vou ser legal e contar a ela uma história.' Então eu conto como algo aconteceu, e essa foi uma história engraçada - e ela olha pra mim e diz, 'Não, isso não é verdade. Nós aprendemos isso na aula de apreciação dos Beatles.' E eu penso, 'Ah, merda.' Não tem saída, cara! Eles estão ensinando essas coisas agora. 

Quando Sam Taylor fez o filme dela (O Garoto de Liverpool), ela trouxe o roteiro pra mim e nós conversamos sobre isso. Ela é uma amiga muito querida. E eu disse, 'bem, Sam, isso não é bem verdade. John não andou no teto de um ônibus de dois andares.' Ela disse, 'não, mas é uma ótima cena.' Digo, a personagem de Mimi, tia de John, eu disse a ela, 'Ela realmente não era igual está no roteiro. Ela é caracterizada como muito sarcástica, velha má, e ela não era isso.' Ela era apenas uma mulher com responsabilidade de criar John Lennon, e essa não era uma tarefa fácil, viu? Ela estava dando o seu melhor. Ela era rígida, mas com um brilho nos olhos. Eu disse, 'Eu costumava ir até lá e escrever com John, e ela era normal. Você tem que mudar isso.' Ela mudou algumas coisas, mas no fim nós concordamos que aquilo era um filme, não um documentário, então ela colocou coisas que não existiram na história real. Como essa ideia de que nossa primeira música, 'In Spite of All The Danger', foi feita para a mãe de John. Isso não é verdade,  mas funciona melhor dessa maneira em um filme. Eu lembro da gravação e lembro das circunstâncias em torno daquilo - e nós escrevemos juntos. Nós estávamos copiando as coisas americanas que ouvíamos. Músicas americanas eram sobre perigo, por isso fizemos algo assim. Mas, para Sam, isso funcionava bem melhor no filme como uma música em homenagem à mãe de John. 

Para voltar ao meu ponto original, esse é o tipo de coisa que acontece em filmes, mas esses livros que são escritos sobre o significado das canções, como 'Revolution in the Head' - eu li através daquilo. É um tipo de livro de banheiro, um bom livro para mergulhar-se. E eu vou encontrar, 'McCartney escreveu isso em resposta a tal música de John', e eu digo, 'Bem, isso não é verdade.' Mas está estabelecido como história. Esse já é conhecido como um volume muito respeitado, e eu penso, 'Ah, tudo bem.' Esse é um fato da minha vida. Esses fatos vão se espalhando igual às histórias de algumas músicas dos Beatles. Existem milhões deles e eu sei que alguns deles são falsos. 


Eu posso ver como isso é frustrante.    
Bem, costumava ser frustrante. Eu superei isso. Está tudo bem. 'Early Days' tem um pouco disso, mas o principal é que é uma canção de memória. Sou eu lembrando de estar andando pelas ruas, vestindo preto, com a guitarra nas costas. Eu posso visualizar a rua exata. Era um lugar chamado Menlove Avenue (onde ficava a casa de John Lennon). Alguém verá o significado disso: John e Paul na Menlove Avenue. Vamooooos. Isso é como é com os Beatles. Tudo era completamente significante, sabe? O que é tudo bem, mas quando você era parte da realidade, simplesmente não era assim.  Era tudo muito mais normal. 

Fonte: Rolling Stone

Um comentário:

Unknown disse...

Muito bom. Adoro Paul McCartney!

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