Os fãs de Beatles que participarão da visita ao famoso estúdio 2, na Abbey Road, farão parte da incrível experiência de capturar um pouco das incríveis histórias das músicas lá gravadas. Mas agora, há ainda mais uma razão para fazer parte de tudo isso: pela primeira vez, o evento receberá Ken Scott, um dos engenheiros dos Beatles, para dar palestras e relatar aos fãs suas experiências com a banda.
Antecipando um pouco esses relatos, Ken Scott conversou com a revista Mojo. Uma ótima entrevista que vocês podem ler a seguir.
Conte-nos sobre seu primeiro dia trabalhando no Abbey Road.
KS: Eu estava petrificado. Todo o processo para começar a trabalhar lá levou cerca de nove dias. Eu estava farto da escola numa sexta-feira e escrevi cerca de dez cartas para lugares que poderiam precisar de um engenheiro de gravação. Abbey Road me respondeu na terça-feira, a entrevista com eles seria na quarta-feira. Fui aceito na sexta-feira. Saí da escola naquele dia e comecei a trabalhar na segunda-feira. Eu tinha 16 anos. Eu nunca havia tido um emprego e eu estava lá naquele lugar enorme. Em pouco tempo eu tinha em minhas mãos a fita master de 'Can't Buy Me Love'. Eram os Beatles! No dia seguinte, eu estava andando pelo corredor e passei por George Martin e George Harrison. Eu queria gritar, da mesma forma como as meninas lá fora.
Foi esse o grande momento dos homens com jaleco branco?
KS: Bem, as únicas pessoas que usavam jaleco branco eram os assistentes técnicos e isso era porque eles tinham que mexer em cabos sujos, ir para as câmaras úmidas de eco, e eles tinham que usar terno e gravata. Eles não queriam seus ternos todos sujos. Daí os jalecos brancos - era perfeitamente lógico.
Como aconteceu o seu aprendizado no trabalho?
KS: Havia sete engenheiros em tempo integral na época, e nós trabalhávamos com todos eles. Destes, três eram os maiores engenheiros de música clássica e os outros eram quatro dos melhores engenheiros de gravação pop. Então tivemos que aprender com todos eles, tínhamos que ver como eles microfonavam diferentes instrumentos. Um dia eu estava trabalhando com George Martin e Stuart Eltham Peter Sellers. No dia seguinte, poderia trabalhar com Daniel Barenboim. Eles queriam que você tivesse uma ideia de como todos trabalhavam.
Tudo isso o colocou na mira dos Beatles, porque eles queriam explorar coisas novas no estúdio...
KS: Com certeza. A primeira vez que eu sentei atrás de uma mesa de som como engenheiro foi com os Beatles. Eu não tinha ideia do que estava fazendo, mas lá estava eu com a maior banda do mundo. O treinamento que eu tive com a EMI foi ótimo, mas com os Beatles... não havia limite de tempo, limitação sonora. Eles queriam experimentar. Eu poderia gravar algo completamente errado, completamente estragado e a chance deles gostarem era bem alta. Era de uma liberdade incrível trabalhar com eles.
Qual é um bom exemplo dos desafios impostos ao gravar com os Beatles?
KS: Bem, você tinha que tomar cuidado com o que dissesse para eles. Por exemplo, bem próximo ao estúdio 2 havia essa sala muito pequena que costumava guardar uma máquina de 4 canais de gravação. Mas naquele momento, todas as máquinas de 4 canais haviam sido transportadas para as salas de controles, então a pequena sala estava vazia. Nós estávamos gravando algo e eu disse a John: 'Do jeito que vocês estão, daqui a pouco vão querer gravar ali (apontando para a salinha)'. John apenas olhou para mim, não disse nada. Depois de alguns dias, ele chegou dizendo: 'Nós vamos gravar uma música nova. O nome é Yer Blues e nós vamos gravar ali dentro'. Eu tive que colocar todos os quatro lá dentro, mais todos os equipamentos deles e microfones. Se algum deles tivesse se balançado lá dentro, teriam arrancado a cabeça de alguém.
O que fez John querer gravar lá?
KS: Só porque aquilo soaria diferente. Até dois-terços da canção, eles fizeram um vocal ao vivo. Mas infelizmente o John errou e nós tivemos que dar um jeito nisso. É aí que o som soa diferente. E John tipicamente pensava que, se mudaríamos alguma coisa, era melhor soasse completamente diferente. Eles amavam 'erros'. Essa foi uma das coisas incríveis sobre eles. Em 'Glass Onion', eu acidentalmente apaguei uma parte que já havia passado pelo overdub, e eu pensei: 'é isso, estou na rua'. Mas John ouviu aquilo e disse: 'Ninguém pensaria em ir para a menor parte da canção logo após da maior [você pode ouvir em 1:49 da canção]. Mantenha isso! Mantenha isso!' E aquilo me possibilitou de continuar no meu emprego!
Foram as sessões do Álbum Branco tão turbulentas quanto o relatado?
KS: Muito foi dito sobre como os Beatles foram uns com os outros naquela época, mas é tudo mentira. Chris Tomas - assistente de George Martin na época - e John Smith, que era meu segundo engenheiro - contaria o mesmo a você. Nós tínhamos discussões. Sim, ocasionalmente, as discussões ficavam mais acaloradas. Mesmo em um trabalho de duas semanas você espera isso, devido ao temperamento da banda, você espera algumas discussões. Se você gasta seis meses num projeto desses, é inevitável. Mas isso era tudo.
Às vezes era chato! Sempre tinha essa possibilidade. Porque às vezes eles podiam gastar horas e horas tocando no estúdio 2 até conseguirem algo que achavam que era bom. Mas você sempre sabia que seria bom no final.
A cultura no Abbey Road deve ter mudado rápido. Foi ficando menos formal?
KS: Ah, sim. Especialmente em torno de 68 as coisas começaram a ficar mais liberais - graças aos Beatles! A norma de vestimenta tinha quase sido eliminada. As horas de gravação tinham mudado. A velha rotina rígida não era mais respeitada. Você poderia gravar durante toda a noite, até umas 7 ou 8 da manhã.
Mas também, durante aquele período, havia um novo gerente no estúdio. O antigo tinha se aposentado e pela primeira vez tivemos alguém de fora trabalhando lá. Ele era um engenheiro de música clássica e odiava, odiava música pop e qualquer coisa relacionada a isso. Uma noite, ele parou mais ou menos umas 23h, quando Pink Floyd estava gravando, e apagou todas as luzes do estúdio.
Lá estávamos no meio da psicodelia e tinha esse cara - Allen Stagg - tentando nos levar de volta à Idade Média. Ele tentou me demitir, na verdade. Depois do Álbum Branco, eu tirei duas semanas de férias e quando voltei ele me deu esse projeto. Era sobre o corte das fitas. Nós sempre reclamamos sobre não poder masterizar uma música tão bem quanto eram as americanas. Então ele quis que eu passasse duas semanas na sala de corte para ver se eu poderia melhorar isso. Eu achei que fosse uma ótima ideia. Mas aí ele ouviu uma de minhas produções e disse que era nojenta! Ele disse: "você não deveria ouvir ao produtor ou aos artistas - você trabalha para nós". E aí ele me demitiu. Foi um pouco idiota porque algumas semanas depois eu estava no número 1 com o Álbum Branco. Então eu fui até o chefão da EMI e contei a história. Ele me deu o emprego de volta e o Sr. Stagg teve que se desculpar na frente de todo mundo. Eu me senti muito bem sobre aquilo!
Retomando o evento 'Sound of Abbey Road Studios': o que os visitantes podem esperar?
KS: Primeiro e mais importante, no momento em que você entra no estúdio 2 do Abbey Road, você sente toda aquela história. Eu passei tantas horas da minha vida lá e mesmo assim, ainda hoje, quando entro naquele estúdio, fico arrepiado. Existe uma mágica sobre aquele lugar.
Além disso, há uma grande quantidade de equipamentos. Nós mostraremos alguns efeitos que usamos naquela época, e ainda teremos a oportunidade de compará-los com a tecnologia moderna.
A conversa conta a história dos estúdios da EMI na Abbey Road - não apenas os Beatles, apesar deles obterem um papel muito importante em tudo isso. Os anfitriões, Brian e Kevin, sabem mais sobre o Abbey Road do que a maioria das pessoas que trabalharam lá. Eles têm histórias que eu nunca ouvi e vídeos que ninguém nunca viu. É algo para os nerds e para os fãs. As pessoas têm elogiado os eventos anteriores e eu espero que esse seja ainda melhor. Só não estou muito ansioso para as sessões da manhã. Não sou uma pessoa matinal. Depois de todos esses anos, eu continuo no horário do estúdio!
Para saber mais detalhes sobre o evento, clique aqui!
Para mais informações, fique ligado no The Beatles Report!
Fonte: Mojo Magazine
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